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 As Ordens Da Ajuda

As ordens da ajuda – por Bert Hellinger


É necessário atenção e presença quando nos colocamos num caminho profissional que está ligado a ajudar outras pessoas. Este movimento, que é belo quando alinhando com um bom propósito, pode também esconder nuances não tão positivas entre o “ajudador” e o “ajudado”.

Bert Hellinger escreveu um livro chamado “Ordens da Ajuda”, onde ele descreve a sua percepção sobre este assunto na sua longa carreira como um profissional da ajuda.

O psicoterapeuta alemão descobriu que há algumas boas posturas para que a ajuda não se converta em algo que martiriza ou diminui o ajudado. Nesses dois lugares, aquele que recebe ajuda está com menos opções de avançar em direção à solução de seu problema e retornar para um bom caminho de vida.

Há uma qualidade básica na ajuda: reconhecer no outro a capacidade de lidar com a sua própria realidade e história. Aquele que oferece ajuda está sendo apenas uma lanterna, que traz luz para momentos onde a visão está obstruída pela escuridão.

Ajudar, sem tomar para si

Ver-se como lanterna é reconhecer que o outro está no controle da sua vida, e que a ajuda vai ser recebida até onde o outro a permitir. Um bom ajudador somente ilumina.

E somente quem recebe a ajuda é capaz de fazer algo com o que vê. Há um limite claro de até onde um ajudador pode ir.

Também um bom ajudador não se enche de expectativa do resultado da sua ajuda. Ele deixa o caminho livre para que os outros se movimentem do jeito que melhor cabe a cada um. Ao deixar o outro livre, o ajudador também está livre, e se movimenta levemente na direção do seu próprio destino.
Dessa forma permanece capaz e disponível de “clarear” o campo de visão de outras pessoas, sendo uma ajuda que respeita o outro e seu destino.

As ordens da ajuda

Bert Hellinger trouxe em “As ordens da ajuda”, algumas questões a se prestar atenção quando nos colocamos como profissionais em uma área de apoio, como a dos médicos, psicólogos, psiquiatras, terapeutas, etc.

“As ordens da ajuda das quais falo aqui (em seu livro) têm a ver com a ajuda como profissão, não com a ajuda interpessoal. Há uma diferença entre as duas. A ajuda como profissão é uma arte, uma habilidade de saber como. Sobretudo, precisamos saber como fazer para não nos deixarmos ser envolvidos em um relacionamento.”

Bert Hellinger,  sobre este tema no livro “O amor do espírito”

O psicoterapeuta alemão não as coloca em ordem de importância. Aqui, enumeramos simplesmente com o fim de organização e clareza de conteúdo. Leia e aprenda um pouco mais sobre essa incrível postura.

Primeira Ordem da Ajuda

Dar apenas o que se tem, e pegar para si somente o que se necessita. Dessa forma, quem ajuda e quem é ajudado é beneficiado mutuamente nesta troca equilibrada. Quando isso não ocorre, as desordens aparecem:

1-Querer dar o que não tem.
2-Querer tomar algo que não precisa.
3-Esperar e exigir de outra pessoa o que ela não pode dar.
4-Tirar a responsabilidade de uma pessoa sobre algo que só ela deva ou precisa carregar sozinha.

Essa ajuda é humilde. Ela renuncia com arte. Pode contradizer idéias tradicionais, onde para sermos “bons”, temos que estar sempre dispostos a ajudar.  Por isso, esta também é uma atitude corajosa, pois reconhecer seus limites é por vezes se indisponibilizar a ajudar.

A arte de permanecer dentro das possibilidades que a realidade apresenta, sendo, onde possível, um verdadeiro vetor de ajudar. Estar atento aos limites no dar e tomar, pois o desequilíbrio também traz dificuldades no processo de ajuda.

Segunda Ordem da Ajuda

Submeter-se às circunstâncias é reconhecer a realidade e suas limitações. E desse lugar, reconhecendo o que é possível, ajudar. Este é um movimento discreto e humilde, onde o ajudador perde protagonismo. Porém, é um lugar de grande força. As desordens dessa ajuda são:

1-Negar ou encobrir as circunstâncias.
2-Querer ajudar enfraquecendo tanto a si como ao que pede tal ajuda.

Quando reconhecemos o verdadeiro e concordamos com ele, nos colocamos alinhados à força da própria vida, sem que seja necessário colocar nossas idéias ali. Essa postura se mostra com grande força e utilidade.

Terceira Ordem da Ajuda

Colocar-se diante do cliente como um outro adulto, reconhecendo nele as possibilidades que ele têm para alterar seu destino e dificuldades, cria um campo onde ambos estão mais fortes para avançar na direção de uma solução.

Também não sair de seu próprio lugar como ajudador para ocupar o espaço trazido pelas queixas do cliente, tentado suprir algo que “aparenta” estar vago, é outra característica da postura que um verdadeiro ajudador pode ter. As desordens aqui são:

1-Permitir reivindicações infantis
2-Tratar o cliente como uma criança
3-Poupar de algo que o cliente mesmo precisa carregar a responsabilidade e as consequências.

Reconhecer o cliente como um adulto capaz é o primeiro passo para que o cliente também se perceba como tal, e dessa forma se apodere das possibilidade de mudança. Dessa forma, ele caminha adiante com sua própria força e capacidade.

Quarta Ordem da Ajuda

Olhar somente para o cliente dá ao terapeuta uma imagem incompleta do quadro. É necessário considerar todo o sistema que está envolvido com aquele integrante que chega até nós. É importante aqui incluir, respeitosamente e com amorosidade outros membros que se relacionam com o cliente, sendo os mais importantes, os pais. As desordens são:

1-Desrespeitar ou ignorar outros membros da família.
2-Não olhar para aquele membro excluído da família que tem nas mãos a chave para a solução.
3- Não perceber as reivindicações infantis diante da dureza da empatia sistêmica necessária para uma solução como liberação e fonte de força.
4-Deixar de olhar para algo maior, algo além do cliente e se curvar diante disso.

Somente na inclusão de todos que podem estar presentes na queixa do cliente reside uma boa chave para que se possa olhar para uma solução.

Se o terapeuta “embarcar” na visão do cliente do problema, ele próprio estará tirando de vista informações importantes que podem ser vitais para trazer o destensionamento do sistema, e consequentemente, do que pode estar trazendo dificuldades para a vida do cliente.

Quinta Ordem da Ajuda

Amar e respeitar as pessoas pelo que são é lidar com a realidade do seu próprio destino. Ao terapeuta, esta postura é facilitada pela falta de envolvimento afetivo com as pessoas que chegam junto ao problema do cliente. Ao assumir esta postura, o terapeuta serve como ponte para uma nova forma de olhar para aquele que busca ajuda, para lidar com suas dificuldades. As desordens aqui são:

1-Julgamentos
2-Condenação
3-Indignação moral

Incorrer em qualquer uma dessas desordens afasta o ajudador da real possibilidade de ajuda, pois assim o terapeuta corre o risco de ser um amplificador das dificuldades do cliente, ao invés de oferecer uma nova possibilidade de lidar com estas questões. O cliente então fica estacionado, sem movimento para levar sua vida adiante.

A Alma abrangente – um texto de Bert Hellinger

“Existe a experiência de que nos movimentamos num campo através do qual temos uma percepção. Se olho para alguém, reconhecendo-o e vendo-o, e se essa pessoa me olha, vendo-me e reconhecendo-me: como isso é possível?

Se imaginar que aquilo que estiver vendo da outra pessoa está apenas no meu cérebro, e se a pessoa imaginar que tudo que estiver vendo de mim está apenas no seu, nesse caso estaríamos nos vendo?

Podemos realmente ver um ao outro?

A pessoa está no meu cérebro e eu no seu?

 

Isto é ridículo.

Eu a vejo ali e ela me vê aqui. Eu não a vejo no meu cérebro e ela não me vê no seu.

O que nos conecta e possibilita reconhecermos um ao outro é uma alma que nos abrange. Nessa alma eu abranjo a pessoa e ela a mim. Nessa alma em comum nós nos reconhecemos. Essa alma é extensa, não apenas em relação ao espaço, mas também em relação ao tempo.

Assim sendo, os mortos também estão presentes nessa alma. Tudo que já existiu nesse campo, tudo que já passou atua sobre mim. Estou em ressonância com tudo que foi.

Se houver uma perturbação nesse campo, por exemplo, se houve um crime na minha família e existe um assassino e uma vítima, estou em ressonância com eles. Eles me influenciam. Estou entregue a eles através desse campo.

Muitos clientes também estão entregues a um passado através desse campo, por exemplo, a um assassino e a sua vítima.

“O que nos conecta e possibilita reconhecermos um ao outro é uma alma que nos abrange. Nessa alma eu abranjo a pessoa e ela a mim. Nessa alma em comum nós nos reconhecemos. Essa alma é extensa, não apenas em relação ao espaço, mas também em relação ao tempo.

Bert Hellinger”

Nesse campo podemos restabelecer a ordem em relação a algo, posteriormente. Por exemplo, quando é possível juntar o assassino e sua vítima nesse campo, para que se percebam, amem-se, para que façam as pazes. Então, nesse campo algo muda. Algo no passado mudou e tem um efeito reconfortante no presente. Isso significaria curar algo.

O ajudante que conhece essas ligações interfere nesse campo de forma apaziguadora. Assim a terapia fica sob uma luz totalmente diferente.

Aquilo que podemos e eventualmente devemos fazer e aquilo para que temos que nos abrir e preparar, de repente aparece sob uma luz diferente. Em que formação isso é levado em consideração?

E quão pouco podemos fazer se não considerarmos esses fatos, se não sentirmos em nós mesmos essa ressonância, se não a percebermos e aprendermos a lidar com ela?

 

 

Uma síntese ampliada
(Maio, 2003)
Fonte: Home-page de Bert Hellinger:
www.hellinger.com

Tradução: Newton A. Queiroz
Setembro de 2003
Advertência do tradutor
Acho necessário dar um breve esclarecimento prévio sobre os dois vocábulos-chave do presente texto.

 

1. Ajuda, ajudante


O título original do artigo é Die Ordnungen des Helfens, literalmente: As Ordens do Ajudar, que prefiro traduzir por As Ordens da Ajuda, por ser mais consoante com nosso uso. Assim, deve-se entender por ajuda, no presente texto, principalmente a maneira de ajudar e a atitude de quem presta ajuda. Quem presta ajuda  no mais das vezes, profissionalmente – é o que Hellinger denomina “der Helfer”, e que traduzimos literalmente, na falta de termo melhor, por “o ajudante”. Nesta categoria estão compreendidos principalmente os que profissionalmente prestam assistência a outras pessoas (o médico, o terapeuta, o assistente social, o sacerdote...), como também aqueles que o fazem voluntariamente, em caráter não profissional.


2. Ordens


As “ordens”, no sentido típico de Bert Hellinger, são as leis, princípios ou ordenações básicas preestabelecidas, que devem presidir nossos comportamentos. Assim, as "ordens do amor” são as leis que devem presidir nossos relacionamentos, para que o amor seja bem sucedido, e cujo desconhecimento ou desrespeito pode ocasionar consequências funestas.
No presente texto, Bert Hellinger fala das ordens que devem presidir toda iniciativa de levar ajuda ao próximo e, de modo especial, a ação com objetivo ou efeito terapêutico.


A ajuda é uma arte. Como toda arte, envolve uma capacidade que pode ser aprendida e praticada. E envolve empatia em relação ao objeto, a saber, a compreensão do que corresponde a esse objeto e, simultaneamente, daquilo que o eleva, por assim dizer, acima de si mesmo, em algo mais abrangente.

Ajuda como compensação

Nós, seres humanos, dependemos, sob todos os aspectos, da ajuda dos outros, como condição de nosso desenvolvimento. Ao mesmo tempo, precisamos também de ajudar outras pessoas. Aquele de quem não se necessita, aquele que não pode ajudar outros, fica só e se atrofia. O ato de ajudar serve, portanto, não apenas aos outros, mas também a nós mesmos. Via de regra, a ajuda é um processo recíproco, por exemplo, entre parceiros. Ela se ordena pela necessidade de compensar. Quem recebeu de outros o que deseja e precisa, também quer dar algo, por sua vez, compensando a ajuda.

Muitas vezes, a compensação que podemos fazer através da retribuição é limitada. Isso ocorre, por exemplo, em relação a nossos pais. O que eles nos deram é excessivamente grande, para que o possamos compensar dando-lhes algo em troca. Só nos resta, em relação a eles, o reconhecimento pelo que nos deram e o agradecimento que vem do coração. A compensação pela doação, com o alívio que dela resulta, só se consegue, nesse caso, repassando essa dádiva a outras pessoas: por exemplo, aos próprios filhos.

Portanto, o processo de tomar e de dar se processa em dois diferentes patamares. O primeiro, que ocorre entre pessoas equiparadas, permanece no mesmo nível e exige reciprocidade. O outro, entre pais e filhos, ou entre pessoas em condição superior e pessoas necessitadas, envolve um desnível. Tomar e dar se assemelham aqui a um rio, que leva adiante o que recebe em si. Essa forma de tomar e dar é maior, e tem em vista também o que virá depois. Nesse modo de ajudar, o que foi doado se expande. Aquele que ajuda é tomado e ligado a uma realização maior, mais rica e mais duradoura.

Esse tipo de ajuda pressupõe que nós próprios tenhamos primeiro recebido e tomado. Pois só então sentimos a necessidade e temos a força para ajudar a outros, especialmente quando essa ajuda exige muito de nós. Ao mesmo tempo, ela parte do pressuposto de que as pessoas a quem queremos ajudar também necessitam e desejam o que podemos e queremos dar a elas. Caso contrário, nossa ajuda se perde no vazio. Então ela separa, ao invés de unir.

A primeira ordem da ajuda

A primeira ordem da ajuda consiste, portanto, em dar apenas o que temos, e em esperar e tomar somente aquilo de que necessitamos. A primeira desordem da ajuda começa quando uma pessoa quer dar o que não tem, e a outra quer tomar algo de que não precisa; ou quando uma espera e exige da outra algo que ela não pode dar, porque não tem. Há desordem também quando uma pessoa não tem o direito de dar algo, porque com isso tiraria da outra pessoa algo que somente ela pode ou deve carregar, ou que somente ela tem a capacidade e o direito de fazer. Assim, o dar e o tomar estão sujeitos a limites, e pertence à arte da ajuda percebê-los e respeitá-los.

Essa ajuda é humilde, e muitas vezes, em face da expectativa e da dor, ela renuncia a agir. O trabalho com as constelações familiares coloca diante de nossos olhos o que deve exigir quem ajuda, tanto de si mesmo quanto da pessoa que busca ajuda. Essa humildade e essa renúncia contradizem muitas concepções usuais sobre a correta maneira de ajudar, e frequentemente expõem o ajudante a graves acusações e ataques.

A segunda ordem da ajuda

A ajuda está a serviço da sobrevivência, por um lado, e da evolução e do crescimento, por outro. Todavia, a sobrevivência, a evolução e o crescimento também dependem de circunstâncias especiais, tanto externas quanto internas. Muitas circunstâncias externas são preestabelecidas e não são modificáveis: por exemplo, uma doença hereditária, as consequências de acontecimentos ou de uma culpa. Quando a ajuda deixa de considerar as circunstâncias externas ou se recusa a admiti-las, ela se condena ao fracasso. Isto vale, com maior razão, para as circunstâncias internas. Elas incluem a missão pessoal particular, o envolvimento nos destinos de outros membros da família, e o amor cego que, sob o influxo da consciência, permanece vinculado ao pensamento mágico. O que isso significa em casos particulares eu expus exaustivamente em meu livro “ Ordens do Amor”, no capítulo “Do céu que faz adoecer, e da terra que cura”.

Para muitos ajudantes, o destino da outra pessoa pode parecer difícil, e gostariam de modificá-lo; não, porém, muitas vezes, porque o outro o necessite ou deseje, mas porque os próprios ajudantes dificilmente suportam esse destino. E quando o outro, não obstante, se deixa ajudar por eles, não é tanto porque precise disso, mas porque deseja ajudar o ajudante. Então, quem ajuda realmente está tomando, e quem recebe a ajuda se transforma em doador. 

A segunda ordem da ajuda é, portanto, que ela se amolde às circunstancias e só intervenha com apoio na medida em que elas o permitem. Essa ajuda mantém reserva e possui força. Há desordem da ajuda, neste caso, quando o ajudante nega as circunstâncias ou as encobre, ao invés de encará-las, juntamente com a pessoa que busca a ajuda. Querer ajudar contra as circunstâncias enfraquece tanto o ajudante quanto a pessoa que espera ajuda ou a quem ela é oferecida ou mesmo imposta.

O protótipo da ajuda

O protótipo da ajuda é a relação entre pais e filhos e, principalmente, a relação entre a mãe e o filho. Os pais dão, os filhos tomam. Os pais são grandes, superiores e ricos, ao passo que os filhos são pequenos, necessitados e pobres. Contudo, porque os pais e os filhos são ligados entre si por um profundo amor, o dar e o tomar entre eles pode ser quase ilimitado. Os filhos podem esperar quase tudo de seus pais. E os pais estão dispostos a dar quase tudo a seus filhos. Na relação entre pais e filhos, as expectativas dos filhos e a disposição dos pais para atendê-las são necessárias; portanto, estão em ordem.

Contudo, elas só estão em ordem enquanto os filhos ainda são pequenos. Com o avançar da idade, os pais vão impondo aos filhos, em escala crescente, limites com os quais eles eventualmente se atritam e podem amadurecer. Estarão sendo os pais, nesse caso, menos bondosos para com seus filhos? Seriam pais melhores se não colocassem limites? Ou, pelo contrário, eles se manifestam como bons pais justamente ao exigirem de seus filhos algo que também os prepara para uma vida de adultos? Muitos filhos ficam então com raiva de seus pais, porque preferem manter a dependência original. Contudo, justamente porque os pais se retraem e desiludem essas expectativas, eles ajudam seus filhos a se livrarem dessa dependência e, passo a passo, a agirem por própria responsabilidade. Só assim os filhos tomam o seu lugar no mundo dos adultos e se transformam de tomadores em doadores.

A terceira ordem da ajuda

Muitos ajudantes, por exemplo, na psicoterapia e no trabalho social, acham que precisam ajudar os que lhes pedem ajuda, da mesma forma como os pais ajudam seus filhos pequenos. Inversamente, muitos que buscam ajuda esperam que os ajudantes se dediquem a eles como os pais se dedicam a seus filhos, no intuito de receber deles, tardiamente, o que esperam e exigem dos próprios pais.

O que acontece quando os ajudantes correspondem a essas expectativas? Eles se envolvem numa longa relação. Aonde leva essa relação? Os ajudantes ficam na mesma situação dos pais, em cujo lugar se colocaram com essa vontade de ajudar.

Passo a passo, eles precisam impor limites aos que buscam ajuda, decepcionando-os. Então estes desenvolvem frequentemente, em relação aos ajudantes, os mesmos sentimentos que tinham antes em relação a seus pais. Assim, os ajudantes que se colocaram no lugar dos pais, querendo mesmo, talvez, ser pais melhores, tornam-se, para os clientes, iguais aos pais deles. Porém muitos ajudantes permanecem presos na transferência e na contratransferência da relação entre filho e pais. Com isso, dificultam ao cliente a despedida, tanto de seus pais quanto dos próprios ajudantes. Ao mesmo tempo, uma relação segundo o modelo da transferência entre pais e filhos impede também o desenvolvimento pessoal e o amadurecimento do ajudante.

Vou ilustrar isso com um exemplo:

Quando um homem jovem se casa com uma mulher mais velha, ocorre a muitos a imagem de que ele procura um substitutivo para sua mãe. E o que procura ela? Um substitutivo para seu pai. Inversamente, quando um homem mais velho se casa com uma moça mais jovem, muitos dizem que ela procurou um pai. E ele? Procurou uma substituta para sua mãe. Assim, por estranho que soe, quem se obstina por muito tempo numa posição superior e mesmo a procura e quer manter, recusa-se a assumir seu lugar entre adultos equiparados.

Existem, porém, situações, em que convém que, por algum tempo, o ajudante represente os pais: por exemplo, quando um movimento amoroso precocemente interrompido precisa ser levado a seu termo. Contudo, diferentemente da transferência da relação entre pais e filhos, o ajudante apenas representa aqui os pais reais. Ele não se coloca em lugar deles, como se fosse uma mãe melhor ou um pai melhor. Por esta razão, também não é preciso que o cliente se desprenda do ajudante, pois este o leva a afastar-se dele e a voltar-se para os próprios pais. Então o ajudante e cliente se liberam mutuamente.

Mediante a adoção desse padrão de sintonia com os pais verdadeiros, o ajudante frustra, desde o início, a transferência da relação entre os pais e o filho. Pois, quando respeita em seu coração os pais do cliente, e fica em sintonia com esses pais e seus destinos, o cliente encontra nele os seus pais, dos quais já não pode esquivar-se. A mesma coisa vale quando o ajudante precisa lidar com crianças ou deficientes físicos. Na medida em que ele apenas representa os pais, e não se coloca em seu lugar, os clientes podem sentir-se em segurança com ele.

A terceira ordem da ajuda seria, portanto, que, diante de um adulto que procura ajuda, o ajudante se coloque igualmente como um adulto. Com isso, ele recusa as tentativas do cliente para fazê-lo assumir o papel dos pais. É compreensível que essa atitude do ajudante seja sentida e criticada, por muitas pessoas, como dureza. Paradoxalmente, essa “dureza” é criticada por muitos como arrogância. Quem olha bem, vê que a arrogância consistiria antes no envolvimento do ajudante numa transferência da relação entre pais e filho.

A desordem da ajuda consiste aqui em permitir a um adulto que faça ao ajudante as exigências de um filho a seus pais, para que o trate como criança e o poupe de algo pelo qual somente o cliente pode e deve carregar a responsabilidade e as consequências. É o reconhecimento dessa terceira ordem da ajuda que constitui a mais profunda diferença entre o trabalho das constelações familiares e psicoterapia habitual.

A quarta ordem da ajuda

Sob a influência da psicoterapia clássica, muitos ajudantes frequentemente encaram seu cliente como um indivíduo isolado. Com isso, também se expõem facilmente ao risco de assumirem a transferência da relação entre pais e filho. Contudo, o indivíduo é parte de uma família. Somente quando o ajudante o percebe assim é que ele percebe de quem o cliente precisa, e a quem ele possivelmente está devendo algo.

O ajudante realmente percebe o cliente a partir do momento em que o vê junto com seus pais e antepassados, e talvez também junto com seu parceiro e com seus filhos. Então ele percebe quem, nessa família, precisa principalmente de sua atenção e de sua ajuda, e a quem o cliente precisa dirigir-se para reconhecer os passos decisivos e levá-los a termo. Isto significa que a empatia do ajudante precisa ser menos pessoal e – principalmente - mais sistêmica. Ele não se envolve num relacionamento pessoal com o cliente. Esta é a quarta ordem da ajuda.

A desordem da ajuda, neste caso, consistiria em não contemplar nem honrar outras pessoas essenciais, que teriam em suas mãos, por assim dizer, a chave da solução. Incluem-se entre elas, sobretudo, aquelas que foram excluídas da família, por exemplo, porque os outros se envergonharam delas.

Também aqui é grande o perigo de que essa empatia sistêmica seja sentida como dureza pelo cliente, sobretudo por aqueles que fazem reivindicações infantis ao ajudante. Pelo contrário, aquele que busca a solução, de maneira adulta, sente esse enfoque sistêmico como uma liberação e uma fonte de força.

A quinta ordem da ajuda

O trabalho da constelação familiar aproxima o que antes estava separado. Nesse sentido, ele está a serviço da reconciliação, sobretudo com os pais. O que impede essa reconciliação é a distinção entre bons e maus membros da família, tal como é feita por muitos ajudantes, sob o influxo de sua consciência e de uma opinião pública presa nos limites dessa consciência. Por exemplo, quando um cliente se queixa de seus pais, das circunstâncias de sua vida ou de seu destino, e quando um ajudante se associa à visão desse cliente, ele serve mais ao conflito e à separação do que à reconciliação. Portanto, alguém só pode ajudar, no sentido da reconciliação, quando imediatamente dá um lugar em sua alma à pessoa de quem o cliente se queixa. Assim, o ajudante antecipa na própria alma o que o cliente ainda precisa realizar na sua.

A quinta ordem da ajuda é portanto o amor a cada pessoa como ela é, por mais que ela seja diferente de mim. Dessa maneira, o ajudante abre a essa pessoa o seu coração, de modo que ela se torna parte dele. Aquilo que se reconciliou em seu coração também pode reconciliar-se no sistema do cliente. A desordem da ajuda seria aqui o julgamento sobre outros, que geralmente é uma condenação, e a indignação moral associada a isso. Quem realmente ajuda, não julga.

A percepção especial

Para poder agir de acordo com as ordens da ajuda, não é preciso qualquer percepção especial. O que eu disse aqui sobre as ordens da ajuda não deve ser aplicado de forma precisa e metódica. Quem tentar isso estará pensando, ao invés de perceber. Ele reflete e recorre a experiências anteriores, em vez de se expor á situação como um todo e apreender dela o essencial. Por isso, essa percepção envolve ambos os aspectos: ela é simultaneamente direcionada e reservada. Nessa percepção, eu me direciono a uma pessoa, porém sem querer algo determinado, a não ser percebê-la interiormente, de uma forma abrangente, e com vistas ao próximo ato que se fizer necessário.

Essa percepção surge do centramento. Nela, eu abandono o nível das ponderações, dos propósitos, das distinções e dos medos, e me abro para algo que me move imediatamente, a partir do interior. Aquele que, como representante numa constelação, já se entregou aos movimentos da alma e foi dirigido e impelido por eles de uma forma totalmente surpreendente, sabe de que estou falando. Ele percebe algo que, para além de suas idéias habituais, o torna capaz de ter movimentos precisos, imagens internas, vozes interiores e sensações inabituais.

Esses movimentos o dirigem, por assim dizer, de fora, e simultaneamente de dentro. Perceber e agir acontecem aqui em conjunto. Essa percepção é, portanto, menos receptiva e reprodutiva. Ela é produtiva; leva à ação, e se amplia e aprofunda no agir.

A ajuda que decorre dessa percepção é geralmente de curta duração. Ela fica no essencial, mostra o próximo passo a fazer, retira-se rapidamente e despede o outro imediatamente em sua liberdade. É uma ajuda de passagem. Há um encontro, uma indicação, e cada um volta a trilhar o próprio caminho. Essa percepção reconhece quando a ajuda é conveniente e quando seria antes danosa. Reconhece quando a ajuda coloca tutela ao invés de promover, e quando serve para remediar antes a própria necessidade do que a do outro. E ela é modesta.

Observação, percepção, compreensão, intuição, sintonia

Talvez seja útil descrever aqui ainda as diferentes formas de conhecimento, para que, quando ajudamos, possamos recorrer ao maior número delas que for possível, e escolher entre elas. Começo pela observação.

A observação é aguda e precisa, e tem em vista os detalhes. Como é tão exata, é também limitada. Escapa-lhe o entorno, tanto o mais próximo quando o mais distante. Pelo fato de ser tão exata, ela é próxima, incisiva, invasiva e, de certa maneira, impiedosa e agressiva. Ela é condição para a ciência exata e para a técnica moderna decorrente dela.

A percepção é distanciada. Ela precisa da distância. Ela percebe simultaneamente várias coisas, olha em conjunto, ganha uma impressão do todo, vê os detalhes em seu entorno e em seu lugar. Contudo, é imprecisa no que toca aos detalhes. Este é um dos lados da percepção. O outro lado é que ela entende o observado e o percebido. Ela entende o significado de uma coisa ou de um processo observação e percebido. Ela vê, por assim dizer, por trás do observado e do percebido, entende o seu sentido. Acrescenta, portanto, à observação e à percepção externa uma compreensão.

A compreensão pressupõe observação e percepção. Sem observação e percepção, também não existe compreensão. E vice-versa: sem compreensão, o observado e percebido permanece sem relação. Observação, percepção e compreensão compõem um todo. Somente quando atuam em conjunto é que percebemos de uma forma que nos permite agir de forma significativa e, principalmente, também ajudar de uma forma significativa.

Na execução e na ação, frequentemente aparece ainda um quarto elemento: a intuição. Ela tem afinidade com a compreensão, assemelha-se a ela, mas não é a mesma coisa. A intuição é a compreensão súbita do próximo passo a dar. A compreensão é muitas vezes geral, entende todo o contexto e todo o processo. A intuição, em contraposição, reconhece o próximo passo e, por isso, é exata. Portanto, a relação entre a intuição e a compreensão é semelhante à relação entre a observação e a percepção.

Sintonia é uma percepção a partir do interior, num sentido amplo. Como a intuição, ela também se direciona para a ação, principalmente para a ação de ajuda. A sintonia exige que eu entre na mesma vibração do outro, alcance a mesma faixa de onda, sintonize com ele e o entenda assim. Para entendê-lo, também preciso ficar em sintonia com sua origem, principalmente com seus pais, mas também com seu destino, suas possibilidades, seus limites, e também com as consequências de seu comportamento e de sua culpa; e, finalmente, com sua morte.

Ficando em sintonia, eu me despeço, portanto, de minhas intenções, de meu juízo, de meu superego e de suas exigências sobre o que eu devo e preciso ser. Isso quer dizer: fico em sintonia comigo mesmo, da mesma forma que com o outro. Dessa maneira, o outro também pode ficar em sintonia comigo, sem se perder, sem precisar temer-me. Da mesma forma, também posso ficar em sintonia com ele permanecendo em mim mesmo. Não me entrego a ele, mas mantenho distancia na sintonia. Com isso, ao ajudá-lo, posso perceber exatamente o que posso fazer e o que tenho o direito de fazer. Por esta razão, a sintonia é também passageira. Ela dura apenas enquanto dura a ação da ajuda. Depois, cada um volta à sua própria vibração. Por esta razão, não existe na sintonia transferência nem contratransferência, nem a chamada relação terapêutica. Portanto, um não assume a responsabilidade pelo outro. Cada um permanece livre do outro.

Sobre o movimento interrompido

Quando uma criança pequena não teve acesso à mãe ou ao pai, embora precisasse deles com urgência e ansiasse por eles, por exemplo, numa longa internação hospitalar, esse anseio se transforma em dor de perda, em desespero e raiva. A partir daí, a criança se retrai diante de seus pais e, mais tarde, também de outras pessoas, embora anseie por eles. Essas consequências de um movimento amoroso precocemente interrompido são superadas quando o movimento original é retomado e levado a seu termo. Nesse processo, o ajudante representa a mãe ou o pai daquele tempo, e o cliente pode completar o movimento interrompido, como a criança de então.

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